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MidiaNews | A Punição

O direito penal é a forma de ingerência mais invasiva que o Estado tem à disposição, porque, após a condenação, surge a possibilidade de se aplicar e executar uma pena criminal, limitadora, por excelência, do direito fundamental à liberdade de locomoção. Então, a difícil tarefa do profissional do direito é justificar, com o intuito de legitimar, a privação da liberdade através da pena.

 

Enquanto não conseguirmos pensar em outra saída – ou, como é comum atualmente, “pensar fora da caixa” –, puniremos

Nesse sentido, a principal forma de manifestação do direito é a coerção, sob a máxima de que “não há direito sem sanção”, e a pena não é nada senão uma previsão legal que autoriza, dentro de certos limites, o Estado a coagir [1]. Esse é o ponto que distingue o direito de outras formas de controle social.

 

Tradicionalmente, são trabalhados dois grandes grupos de teorias na cadeira de penologia[1], sendo elas as absolutas e as relativas, com o intento de se buscar a racionalidade da punição. Para o primeiro grupo, a pena seria produto de uma retribuição ao mal causado pelo injusto, enquanto o segundo vincula a punição a uma função exógena: a prevenção (geral ou especial).

 

As teorias que procuram justificar a pena criminal visam, em último plano, causar uma conformação social através da racionalização reduzida em forma de conceito jurídico. É dizer: uma das tendências de explicação da pena criminal é produzir, politicamente, a aceitação da sua existência, sob a máxima de que os seres humanos não são irracionais e, por conta disso, sabem o que estão fazendo. Assim, da pena criminal emana(ria) uma certa finalidade racional e teria uma função legitimamente definida, a partir das justificativas da retribuição e da prevenção.

 

É dessa forma que as ações ou omissões que agridem bens jurídicos de terceiros são reprimidas pelo Poder e explicadas pelos estudiosos do direito, de modo que toda a orientação sobre a qualidade ou a quantidade de pena, no processo de incriminação, é pretensamente justificada a partir da adoção de uma matriz teórica. Daí a relevância de se investigar o pensamento condutor do apenamento dentro de um sistema criminal.

 

Há, ainda, que se considerar a relação umbilical entre Estado e pena, na medida em que o uso da força para o sequestro de tempo é elemento essencial para a soberania estatal. Portanto, “se fosse possível constatar o grau de civilidade de determinada comunidade, tarefa […] impossível empiricamente e inconcebível cientificamente, pensamos que um dos principais critérios utilizados seria a avaliação do sistema penal em sentido amplo” [2].

 

No início deste ensaio opinativo, foram apresentadas as teorias que procuram justificar a aplicação da pena, isto é, em explicar a tomada de certo período da liberdade do cidadão por conta da violação de um dever jurídico de abstenção de ação ou de agir mandamental. Porém, o que verdadeiramente interessa ao debate não é o especial contorno das ilusões operadas pelo discurso oficial, mas a ampliação do campo de discussão, avaliando-se a consequência empírica da pena para, então, voltar os olhos à sua legitimação jurídica.

 

Isso porque é muito fácil responder à questão proposta no título a partir das teorias que já são, há muito, difundidas pela literatura criminal. Difícil é, ao contrário, negar o discurso para, efetivamente, buscar suas causas e consequências no campo da empiria. Aliás, esse dever, possivelmente, foge ao Direito e se aproxima da Criminologia, especialmente em vertentes que descontroem teorias legitimadoras da punição.

 

Entretanto, para se compreender o tema a partir apenas do Direito, é necessário realizar uma leitura sistêmica e crítica da Constituição Federal, do Código Penal e da Lei de Execução Penal, ou seja, embora o nosso sistema preveja a (res)socialização (art. 1º, LEP), a retribuição e a prevenção (art. 59, CP), precisamos conceber o Código Penal e a LEP como o que elas são: legislações infraconstitucionais e anteriores à CF/88, eis que o CP é de 1940, cuja parte geral foi reformada em 1984, e a LEP é de 1984.

 

Nesse contexto, a investigação parte para outro caminho, qual seja, a nossa Constituição Federal, vista enquanto Lei Maior, atribuiu algum sentido jurídico à pena? Essa resposta não pode ser outra: não. Isso porque não é possível encontrar nenhuma atribuição constitucional de sentido à pena, há apenas verdadeira proibição de excessos [3].

 

Será, então, que essa omissão do constituinte foi proposital ou por acaso? Por qual razão a nossa Constituição Federal não atribuiu um sentido à pena? Ainda, as funções dadas à pena por legislações infraconstitucionais anteriores à Carta Magna foram por ela recepcionadas?

 

Suprindo essa lacuna, a teoria agnóstica da pena de Zaffaroni – aquela que não atribui ou nega as funções da pena – encontra espaço na penologia brasileira, na medida em que, ao invés de atribuir função à pena, o texto constitucional optou por limitá-la, proibindo expressamente os excessos, porquanto vedou a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, pena de caráter perpétuo, de trabalho forçado, de banimento e cruéis).

 

Pode-se concluir, nesse sentido, que Tobias Barreto tinha razão ao enunciar que a pena não é problema do Direito, mas da política. A pena não é, com efeito, um conceito jurídico. A pena é um conceito de guerra e de demonstração de força irracional, não há como racionalizar a pena.

 

A partir desse paradigma, a punição está a serviço de quem? É essa investigação que devemos fazer, mas ela só se torna possível a partir do levantamento do véu da visão tradicionalista – e de mera repetição sem reflexão – das teorias da pena.

 

Com efeito, existem formas outras de se pensar na consequência da questão penal, tal como a justiça restaurativa, mas o tema ainda é muito pouco debatido e difundido. Em certa medida, a própria cultura punitiva já o afasta.

 

Enquanto não conseguirmos pensar em outra saída – ou, como é comum atualmente, “pensar fora da caixa” –, puniremos. Isso porque ainda não conseguimos pensar em nada melhor. A punição, desse modo, não deve ser ampliada, mas controlada/limitada.

 

Uma situação, nesse ambiente, acaba passando despercebida: o tratamento desumano e degradante que as pessoas privadas de liberdade têm sofrido nas prisões, porque, para certa parcela da sociedade, “quanto pior, melhor”, mas essa máxima não é verdadeira. Se pensamos em corrigir/ressocializar, precisamos assumir a responsabilidade de tratar desviantes como eles são: seres humanos.

 

Todo mundo perde com isso, porque, ao fim da pena, o retorno à sociedade é inevitável. Como, então, a sociedade deseja que a pessoa privada de liberdade volte? Mais agressiva, em razão do tratamento desumano recebido durante todo o cumprimento de sua pena, ou com olhos esperançosos de uma nova vida?

 

Como dito em outra oportunidade, o respeito aos direitos fundamentais não pode ser visto como incentivo ao descrédito ao sistema de justiça, mas como forma de tentar diminuir, a partir do trato humanizado, os altos índices de reincidência.

 

Por essa razão, o sentido da legalidade no Direito Penal deve ser o de verdadeira contenção de danos, porquanto, embora insuficiente, é tudo o que temos.

 

Matheus Bazzi é advogado criminalista. 

 

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