As investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF) sobre um esquema bilionário de descontos irregulares de mensalidades aplicadas a aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) revelam que nove de 11 associações investigadas na operação da última semana concentraram 69% do valor total registrado no primeiro trimestre de 2024.
O levantamento, feito pelo Metrópoles, teve como base um relatório da PF que lista as 11 entidades que mais receberam valores descontados diretamente da folha de pagamento dos beneficiários no primeiro trimestre do ano passado.
Dessas, nove foram alvo direto da operação. As outras duas seguem sob investigação, mas ainda não foram atingidas por medidas judiciais — ao todo, são mais de 30 associações na mira da PF. O esquema foi revelado por uma série de reportagens do Metrópoles.
De acordo com o relatório da PF, elaborado a partir de auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), somente no primeiro trimestre de 2024, R$ 2,494 bilhões foram descontados dos benefícios pagos pelo INSS. Desse total, R$ 1,722 bilhão foram destinados às nove entidades agora investigadas.
Prejuízo e pedidos de exclusão
Como mostrou o Metrópoles, a fraude impactou “direta e negativamente” a fila de análise de benefícios e causou um prejuízo operacional de R$ 5,9 milhões ao próprio INSS em menos de dois anos, segundo as investigações conduzidas pela PF e pela CGU.
Entre janeiro de 2023 e maio de 2024 — auge da farra dos descontos indevidos — o INSS recebeu 1,9 milhão de pedidos de exclusão ou bloqueio de mensalidades associativas. Os pedidos foram feitos por aposentados que, sem consentimento, foram filiados a entidades que cobravam mensalidades em troca de supostos benefícios, como acesso a planos de saúde.
A estimativa é que, entre 2019 e 2024, os valores cobrados pelas entidades tenham chegado a R$ 6,3 bilhões. As investigações continuam e estão em fase inicial, segundo afirmou o diretor-geral da PF, Andrei Passos.






Polícia Federal deflagrou operação por fraudes no INSS
BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto
PF fez buscas durante operação Sem Desconto
BRENO ESAKI/METRÓPOLES
Polícia Federal deflagrou operação por fraudes no INSS
BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto
VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto
VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto
Mala de dinheiro apreendida em apartamento do “Careca do INSS”
Reprodução/PF
Motos importadas apreendidas na casa do “Careca do INSS”
Reprodução/PF
Carros de luxo apreendidos com o “Careca do INSS”
Reprodução/PF
Relatório da CGU revela aumento dos descontos
Um relatório da CGU aponta que os descontos aplicados sobre aposentados e pensionistas do INSS cresceram de forma exponencial entre 2021 e 2023. Conforme o documento, o aumento é considerado atípico: os valores saltaram de R$ 536,6 milhões, em 2021, para R$ 1,3 bilhão, em 2023 — uma alta de 142,2%.
A projeção da CGU, feita em setembro do ano passado, era de que os descontos chegariam a R$ 2,6 bilhões até o fim de 2024 — o que representaria um novo aumento de 102,9% em relação ao ano anterior. Até o momento, a controladoria não divulgou novo parecer com dados atualizados.
O relatório ainda chama atenção para o expressivo número de beneficiários do INSS que solicitaram a exclusão de descontos associativos no primeiro semestre de 2024: mais de 742,3 mil. No mesmo período de 2023, haviam sido 130,6 mil pedidos — um salto de mais de 468%.
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Maioria absoluta não autorizou descontos
Os descontos, muitas vezes lançados sem autorização dos aposentados, motivaram uma operação da PF na última semana. A investigação teve como ponto de partida uma série de reportagens publicadas pelo Metrópoles.
De acordo com a CGU, as reclamações foram registradas pelos canais de atendimento do INSS. Entre os entrevistados para a elaboração do documento, 95,9% afirmaram não fazer parte de nenhuma associação — o que indica forte indício de descontos indevidos.
A CGU também destacou que a maior parte dos beneficiários é formada por idosos. Apesar de 35% afirmarem conhecer o desconto, muitos não solicitaram o cancelamento por desconhecimento ou por encontrarem dificuldades no processo.
“Outra dificuldade identificada diz respeito à ocorrência de inserção de novo desconto após o pedido de cancelamento de outro anteriormente existente, fazendo com que o aposentado ou pensionista tenha de ficar repetidamente verificando seu extrato e requerendo o cancelamento do desconto associativo até compreender que existem outras etapas necessárias para realizar o bloqueio de novos descontos”, explicou o órgão, em relatório produzido em setembro do ano passado.
Guerra de versões
Desde que a operação da PF foi deflagrada na última semana – chamada Sem Desconto -, o meio político reagiu de imediato. Deu-se início a uma verdadeira guerra de versões entre governo e oposição, quanto à responsabilidade pelas fraudes que lesaram milhões de aposentados nos últimos anos.
A oposição acusa o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de omissão diante das denúncias e de permitir que o esquema atingisse cifras bilionárias.
Já os aliados do governo destacam que 10 das 11 entidades investigadas pela PF foram autorizadas pelo INSS, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a realizar os descontos diretamente na folha de pagamento entre 2019 e 2022.