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MidiaNews | Imposição do Vermelho

Hoje, farei um artigo provocador sobre alguns dos nossos discursos fundadores, quase sempre intocáveis. Antes, peço licença a Carlos Drummond para me apropriar, mais uma vez, de versos de seu “Poema de Sete Faces”: “Quando nasci, um anjo torto// desses que vivem na sombra// disse: vai, Carlos, ser gauche na vida”.

 

Aos mais desavisados, os EUA ainda são a locomotiva do capitalismo planetário, e não da forma comunista, ou comunitária, de existência humana

Claro que meu anjo não deve ter me chamado por Carlos, o que teria sido honroso; aliás, não deve ter me chamado por nada. Só pensado, pois havia, naquele momento, uma disputa familiar entre alguns nomes possíveis. Pobre anjo!

 

De qualquer forma, na esteira dessa condução “angelical” de uma existência, antes de outras considerações, invoco, agora, José Régio, poeta português do século passado – que diz ter nascido “…do amor que há entre Deus e o Diabo…” – para me ajudar a falar, com força poética, assim como registrou em seu “Cântico Negro”, que se alguém lhe dissesse para vir “por aqui”, não iria; que entre “ironias e cansaços”, só iria por onde seus “próprios passos” os levassem. Régio regeu sua vida!

 

Dessa forma, ao lado de pouquíssimos compatriotas, contrariando, pois, a quase unanimidade obtida em pesquisa sobre a bendita cor vermelha de um dos uniformes que a Seleção Brasileira de Futebol poderá (ou não) usar em 2026, digo que gostei daquele vermelho brilhante! Cor que, nesse caso, antes de tudo, deveria servir de lição para os lunáticos caçadores de comunistas. Por quê?

 

Primeiro: mal sabem tais caçadores que os comunistas brasileiros que ainda (r)existem já beiram os 100 anos! Via de regras, são velhinhos verdadeiramente humanos, mas, infelizmente, em extinção. Todos – que já são bem poucos – estão com dias contados. Pior: seus epígonos mais convictos, em termos teóricos e de prática social, talvez não lotem mais do que uma van. Repito: uma van. Portanto, esse é o tipo da caçada em vão; logo, ridícula. Sem lastro.

 

Segundo: o vermelho do tal uniforme, antes de tudo, é mera tentativa de imposição da Nike – legítima representante do ultracapitalismo seu país de origem, os EUA – à CBF. O resto é devaneio. Aos mais desavisados, os EUA ainda são a locomotiva do capitalismo planetário, e não da forma comunista, ou comunitária, de existência humana, hoje, circunscrita, quiçá, a pouquíssimas sociedades tribais, isentas, pois, da abrangência da globalização, guarda-chuva das transnacionalidades.

 

Logo, ainda que muita gente, tomada por um sentimento de um nacionalismo tão balofo quanto tosco, queira associar essa imposição do vermelho da Nike a uma ala política nacional, nada de concreto se pode afirmar; só especular, ou “fakear”.

 

Agora, fato seja dito: essa notícia – vazada por um site inglês, e que não é “fake” – é uma daquelas infelizes coincidências que, pelas circunstâncias, chegam em hora tensa e de intensas divisões políticas; por isso, inapropriada, pois pode acentuar o desvio de nossa atenção dos problemas sociais concretos, que nunca foram poucos. Ademais, sou sempre contrário a qualquer imposição estrangeira em nossas questões domésticas.

 

Contudo, já que eu mesmo aceitei o desvio de foco das coisas mais sérias para escrever sobre isso, penso que poderíamos aproveitar, de forma embasada, a oportunidade para reavaliar signos pátrios advindos de nossos discursos fundadores como nação. De repente, sem pretender, a Nike pode estar nos dando essa oportunidade ímpar, pois, pela cronologia de nossa história, é exatamente o vermelho, e não outra cor qualquer, que nos fez como nação conhecida na entrada do séc. XVI, já dentro da Idade Moderna.

 

Pois bem. De saída, adianto que o nome de um país precede à formatação de sua bandeira e de outros signos pátrios. Diante disso, é pertinente lembrar que, em termos oficiais, o primeiro nome que recebemos – conforme registros de Pero Vaz de Caminha, em sua primeira “Carta” ao Rei de Portugal, de 1º de maio de 1500 – foi o de Ilha de Santa Cruz. Depois, Terra de Vera Cruz.

 

Aqui, vale reforçar que, na fé cristã, a cruz – fosse a Santa, fosse a Vera – é manchada pelo sangue de Cristo crucificado, guia dos portugueses e, hoje, de muitos brasileiros. Depois desses nomes, constatado que a descoberta fora maior do que a encomenda, passamos a ser conhecidos como Brasil, motivado pela abundância da árvore pau-brasil, de cor de brasa, portanto, avermelhada, e não por termos o verde das matas, o amarelo do ouro, o azul do céu, o branco da paz ou outra coisa que se quisesse inventar.

 

Mais: para reforçar a cor do pau-brasil ainda se pode pôr no mesmo pote de barro, ou em um balaio entrelaçado de bambu, a cor de nossos indígenas, representados pelo vermelho. Portanto, nascemos sob o signo do vermelho, que nada tinha a ver com a futura cor de partidos políticos da esquerda mundial, que eclode sob a égide da Revolução Francesa, nos idos de 1789; tampouco tem a ver com o vermelho do Partido Comunista da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, dos idos de 1917.

 

Mas para consolidar essas minhas lembranças, que até poderiam servir como sugestão para reflexões e revisões acerca de itens de nossos discursos fundadores, e “já ir” (ops!!!) encerrando meu artigo, convido, com as devidas honras, o senhor Cassiano Ricardo, poeta da ala conservadora de nosso Modernismo, para me ajudar a trazer à tona aquele momento histórico da “descoberta oficial” dos portugueses, mas por meio de seu lindo poema, intitulado “Ladainha”, inserido no livro Martim Cererê, de 1928. Nele, a cor vermelha está por toda parte, com destaque, além do pau-brasil, ao raiar do sol, poetizado como o “fogo da manhã selvagem”, até a cor da “onça ruiva”. Eis o poema:

 

“Por se tratar de uma ilha deram-lhe o nome/ de Ilha de Vera Cruz./ Ilha cheia de graça/ Ilha cheia de pássaros/ Ilha cheia de luz./ Ilha verde onde havia/ mulheres morenas e nuas/ anhangás a sonhar com histórias de luas/ e cantos bárbaros de pajés em poracés batendo os pés.//

 

Depois mudaram-lhe o nome/ pra terra de Santa Cruz./ Terra cheia de graça/ Terra cheia de pássaros/ Terra cheia de luz.//

 

A grande Terra girassol onde havia guerreiros de tanga e onças ruivas deitadas à sombra das árvores mosqueadas de sol.//

 

Mas como houvesse, em abundância,/ certa madeira cor de sangue cor de brasa/ e como o fogo da manhã selvagem/ fosse um brasido no carvão noturno da paisagem/ e como a Terra fosse de árvores vermelhas/ e se houvesse mostrado assaz gentil/ deram-lhe o nome de Brasil.//

 

Brasil cheio de graça/ Brasil cheio de pássaros/ Brasil cheio de luz”.

 

E também… cheio de problemas para serem pensados e resolvidos nos dias atuais.

 

Roberto Boaventura da Silva Sá é Dr. em Ciências da Comunicação/USP.

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